Nada como olhar pra fora da pequena perspectiva de nós mesmos. Como ser humano, somos realmente uma espécie egocêntrica e sem noção da nossa real influência no conjunto do universo. A nossa existência é ínfima perto da dimensão que todo o resto do cosmo representa. Ver o tipo de discurso de séries como Cosmos é como um balde de realidade que nos derruba e arrepia na alma. Tentar abandonar esse universo que criamos em volta de nossa existência é algo que se mostra difícil de aplicar e lidar sem enlouquecer com a infinidade que nos cerca de forma tão crescente e desconhecida. No entanto, o simples passo atrás para abrir as portas da mente para essa perspectiva já é algo libertador e demonstra grande coragem por parte daqueles que entram nessa jornada. Quando sensações assim chegam a nossa mente é como um tipo de medo e curiosidade pelo desconhecido, a excitação de novas descobertas é algo dúbio que ao mesmo tempo intriga e receia. Vem a minha cabeça a velha historia do homem no trem indo para seu dia normal de trabalho. Basta que ele desça a uma estação antes do que ele deveria para ter uma perspectiva totalmente nova além do vagão da rotina que o aprisiona. Assim enxergo a nossa existência no universo, mas ainda assim me pergunto: quando iremos dar esse passo para fora do vagão? E, pior, será que conseguiremos sair desse vagão abertos a novas perspectivas de nós mesmos ou apenas tentaremos fazer tudo a nossa imagem como sempre tentamos até hoje na historia?
Dentro disso tento avaliar meu lugar e o que posso fazer para tentar contribuir para esse entendimento e difusão dessa perspectiva mais humilde e sensata da nossa vida. O ser humano é apenas mais uma forma de vida que deve aprender a interagir e enxergar seu lugar no conjunto de toda essa existência. Penso que minha escolha pela fotografia não ajude muito, ao menos não de forma direta, mas talvez ajude a criar uma nova referência e uma visão que instigue uma busca por esse outro tipo olhar sobre nós mesmos. O que busco não é tarefa fácil e nem sei se é possível mensurar isso de forma clara suficiente para que eu possa repetir e adicionar tal diferencial a meu trabalho fotográfico. Falo isso porque ao assistir Cosmos acabei, como qualquer um tentaria, trazendo a ideia da perspectiva que temos da humanidade para a fotografia. É evidente que tal ligação que fiz é totalmente subjetiva e não tem nenhuma ligação a todos os argumentos fundamentados cientificamente da série Cosmos. Talvez ela tenha se dado pelo tom romântico com que a narrativa trata os avanços e descobertas da ciência, o fato é que a ideia de nossa ligação com o resto do universo me arrebatou.
Somos apenas “restos de coisas de estrelas”. Tal choque de humildade me veio de forma tão deslumbrante que sorri involuntariamente, como um espectador atento ao assistir um pianista solando em uma banda de blues. Lembrei de uma frase em um documentário sobre a vida do fotógrafo Richard Avedon. Como em toda obra desse estilo ele foi produzido a partir de relatos de pessoas próximas, críticos e outros fotógrafos. Também, como de praxe em discussões da área dos estudos humanos, se discute no documentário aspectos muito subjetivos sobre o trabalho do fotógrafo. A maioria das pessoas fala sobre a transcendência que as fotos de Avedon tinham, sobre como elas expressavam mais que situações e momentos ao transmitir sentimentos e emoções. Mencionavam também como isso foi cada vez mais se intensificando e tornando-se alicerce ao longo do trabalho do fotografo. Porém, em certo aspecto, o documentário me surpreendeu. Um dos entrevistados fez uma suposição que me fez mergulhar e fazer a ligação com a ciência poética de Cosmos sobre nossa existência e a fotografia. O entrevistado supõe que tal força e intensidade de emoções das fotos de Avedon se dá pelo seu tempo trabalhando com a fotografia e coloca uma perspectiva inusitada. Ele diz que: a fotografia é a arte de escrever com a luz, que é a nossa forma principal de noção de existência, alguém que trabalha há tanto tempo quanto Avedon com tal energia só pode acabar, mesmo que sem intenção, tendo um entendimento maior sobre a vida. Essa visão tem para mim uma importância gigantesca poeticamente. A ideia de que tal qualidade de emoções retratadas se dá através de um deslumbre não intencional da vida através luz manipulada pela fotografia é algo esplêndido. Para mim passa, poeticamente, a ideia de nossa ligação com o resto do universo e de como somos apenas parte desse todo cheio de segredos a serem ainda descobertos pela ciência. Ao olharmos por essa perspectiva não quero seja visto como algo ruim, mas que tenhamos humildade de ver nosso real tamanho. Somos apenas restos de estrelas, somos também apenas luz que reflete e gera uma imagem para outro monte de coisas de estrelas num pedaço do cosmo.
Acho que isso rende muito, tentar passar essa perspectiva linda de que por sermos luz estamos todos ligados a tudo na velocidade da consciência de ser. Que fotografar é algo tão transcendente por lidar com a vida na forma mais bruta que conhecemos, por capturar uma luz que passou alguns milésimos de segundos atrás. Ao fazermos isso por essa perspectiva estamos a cada clique nos conectando com o resto do universo ao admitirmos nossa real forma de existir. Somos sim luz que reflete em moléculas arranjadas de uma forma única, mas isso é tão especial quanto em qualquer outra molécula espalhada pelo universo. Espero ao menos que ao adotar essa perspectiva esteja mais perto da tal pergunta para a resposta que, todos sabemos é 42. Um passo de cada vez, um clique de cada vez, entrando em contato com a luz do resto do universo e tentando entende-la através da minha fotografia. Essa poesia de viver me parece um bom jeito de ser e seguir.
Felipe Dalla Valle (Agosto de 2014)